No Público, Vasco Pulido Valente dá uma visão pessoal do caso Freeport.
"BASTA ANDAR NA RUA"
«Sempre que ouço a palavra "Freeport" desligo a televisão ou paro de ler. Não porque não ache importante saber se o primeiro-ministro se portou ou não como devia, mas porque desde o princípio me perdi no meio da embrulhada. Como aconteceu, presumo, a dois terços do país. Só que o alvoroço que por aí se levantou não é inócuo. As coisas passaram o limite do que pode ser esquecido e arrumado. Mesmo que se esclareça até ao último pormenor, o "caso Freeport" nunca deixará de pesar sobre Sócrates - com razão ou sem ela. O cidadão comum, que partilha com orgulho a minha indiferença e opacidade, vai fatalmente concluir que houve ali enredo. Tanto mais que a polícia inglesa - por definição acima da intriga indígena - se meteu no assunto e chegou ao excesso de investigar o próprio primeiro-ministro. Nenhuma explicação que Sócrates decida agora dar atenua ou anula a atmosfera pouco salubre que já se criou. Nem as declarações da Procuradoria-Geral da República lhe valem de muito. Basta andar na rua para se compreender que a opinião está feita. O problema neste momento é o da eficácia de Sócrates como primeiro-ministro. Uma eficácia que o fracasso do Governo, a crise económica, a fronda de Manuel Alegre e a proximidade de eleições substancialmente diminuíram e que o "caso Freeport" se arrisca a desfazer. Se o resto corresse bem, o "caso Freeport" não iria longe; como o resto corre cada vez pior, serve hoje e continuará a servir de símbolo e pretexto ao descontentamento geral. De certa maneira existe a conspiração de que Sócrates suspeita: a conspiração dos portugueses que o detestam e que descobriram de repente um motivo óbvio para correr com ele. No fundo, os méritos da questão não preocupam ninguém, desde que Sócrates desapareça. E ele começa, de facto, a desaparecer.»
Vasco Pulido Valente, Público
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